verdade viva °°°: julho 2008

30.7.08

Parecia que ele estava sentindo-se só em meio àquela gente enfeitada de cores.
Já tinha acordado naquela preguiça de lutar, como era perceptível em seus ombros um pouco curvados, que até suas meias que sempre largavam cedo de seus pés estranharam o excesso de apego.
Como uma poeira irrelevante e suspensa no ar, percebo todos os seus atos, e realmente, naquela manhã azul o primeiro pé a pisar, de fato, fora o esquerdo.

Xiii. A sexta-feira pelo menos era 11.

Boa noite!

Alto, branco, olhos e cabelos cor de quebra-queixo, usava uma barba densa mas não comprida, e segurava em uma das mãos uma lata de qualquer bebida e na outra, outra mão.

Detinha uma expressão demasiadamente angustiante que me tirou a consolação da música instrumental ambiente. Perdi-me nas palavras (pronunciadas em terceira dimensão) daquele olhar; o que não adiantou muito, pois quando (por coragem mesmo) decidi toca-lo nos ombros e contar algum segredo, a mão que já lhe estava tocando, estava lá, levando-o embora. Talvez em boa hora.

Resolvi puxar a mão que já estava ao meu lado desde o princípio de toda essa bagunça e fizemos o mesmo. Partimos. E rapidamente.

Naquela madrugada de alta velocidade em pistas remendadas e bordadas só encontrei o meu estado de alerta.

Tem muita gente infeliz sem querer.

23.7.08

Ela se encontra, numa dessas noites de boemia, embaixo de uma lona azul e amarela, que se eu não a conhecesse tão bem, afirmaria estar ela embaixo de um circo. Pior. Se houvesse pó de serra na cena, diria que ela estaria em um picadeiro e aquele pedaço de carvalho envelhecido em forma de lança seria talvez para assustar os leões.

Graças ao São Lázaro (aprendi quando criança a fazer figa e falar três vezes baixinho "São Lázaro prum lado e cachorro pra outro" sempre que me deparava com caninos raivosos - e não foram poucas vezes) que segundo a lenda (digo lenda porque nunca li em nenhum lugar - não que as lendas não sejam escritas) é o protetor dos animais, e que por ele, o circo deixou de ter tantos animais selvagens sem permissão e cuidados devidos.

Só um momento pra eu ir pesquisar quem é esse tal de São Lázaro...

Vanessa, não escreva tão subjetivamente! Pronuncia-se o alterego.

O cabeludo cutuca (o que provoca ódio imediato da garota) e fala com aquele hálito de tomates verdes, e fritos:
- Adoro mulheres que têm sardas.
Como se achasse pouco, continua:
- Adoro mulheres que usam aparelho nos dentes.

A garota sorri maledicente e mostra os dentes amarelados e nus.
O cabeludo dá um passo para trás, olha profundamente os sapatos de solas gastas e questiona:
- Sua metade tá pra jogo?

A garota segurando as fichas de cerveja na mão, aperta-as até sufocá-las, contrai o cantinho esquerdo do lábio fingindo esboçar um sorriso (a mamãe sempre ensinou-a de acordo com as leis da educação; leis essas jamais vistas em estatuto, apenas seguidas culturalmente) e fala pausadamente:
- N ã o .

O cabeludo treme nas bases, coça a cabeça, limpa as unhas cheias de caspa, cheira o dedo, falta desabotoar o botão da camisa cem porcento algodão, engole o vapor de saliva concentrado em seu palato duro, chuta um anel de lata de refrigerante, olha lá no alto da lona os urubus simbolizando uma possível chuva chegando (no norte é assim), morde o lábio inferior, vira de costas, e, como por mágica, desaparece de vista instantaneamente.

A garota senta na borda do que seria picadeiro (se lá houvesse pó de serra e se embaixo da lona de um circo ela estivesse) e lembra-se que já pode afrouxar a mão; pega de imediato uma cerveja (depois de entregar uma das fichas sobreviventes) com o atendente do bar mais próximo, tssssss e dá o primeiro gole. Sempre acha que o primeiro gole tem gosto de coco.

Estática permanece, até que um careca olha-a, aproxima-se e lhe conta:
- Adoro mulheres que têm sardas...











Nota: São Lázaro é defensor contra lepra, úlceras, feridas, dermatoses e mais agonias da pele humana. São Lázaro tem um cão, como muitos santos de especial predileção popular os têm.

(Inspira-Expira!)

16.7.08

Seria um ócio quase improdutivo se eu não tivesse que resolver os banais problemas familiares, como por exemplo, a loteria por fazer. O que não chega a ser um tremendo, ou mínimo que seja, problema familiar. Apenas a displicência lotérica deixaria o chefe da família um tanto quanto transtornado. Sim, ele sofre de TOC.

Em cima das gavetinhas amarelas vejo a embalagem da goma de mascar (sem açúcar) e recordo as palavras de um passado obscuro e bizarro da minha mãe sobre sua primeira e não tão "asseada" experiência com essa estranha guloseima (com bastante açúcar na época). A história fica pra outra hora, o que agora é importante ressaltar é que ela é sujeirofóbica (neologismos, à parte).

Ao que realmente interessa:
Depois de assistir duas vezes, denominei (digo eu porque cheguei à conclusão por mim mesma) de 'Síndrome de Amélie Poulain' aquelas que sofrem do Medo de se doar e se mostrar por completo. O que acomete boa porcentagem das minhas amigas (ironicamente, as mais inteligentes) que sofrem às escondidas e esperam aquele maldito momento da descarga hormonal ovulacional para desabafar e analisar (isso mesmo) com mais sensatez o atual estado de (des)graça em que se encontram.

Não cansei ainda de escrever fatos cotidianos.

Eu também me incluo nessa lista das que sofrem da Síndrome de Amélie Poulain (que tudo bem, se cura no final do filme); além, obviamente, da Síndrome de Peter Pan (essa eu não concluí sozinha e da qual não me curarei jamais).
Não estando, as duas acima, registradas nos manuais de transtornos mentais, sinto-me menos preocupada. Afinal, conforme passam-se os anos, aumentam-se as preocupações, mas por hora, vamos deixar esse verão para mais tarde.

Não gosto de me perder nos braços de seu ninguém e não conseguir achar o caminho de volta para casa enquanto ainda há tempo.

Alguns dos vírus da vergonha se fazem em meu sangue presentes, mas aquele de falar de sentimentos já me foi quase extinto. Falo e falo mesmo. Para quem quiser saber (com suas devidas aproximações). Falar (no sentido da palavra escrita, que para mim também se faz sonora) tem seu lado ruim, e lembrando do bobo jargão da Arlete Sales, prefiro agora não comentar.

Apesar dos pesares e se é defeito ainda não sei, sou comedida.
Romântica, é fato, mas (i)logicamente comedida por garranchos, que de garrafais, nem os cacos.

E vindo de uma família sofredora de patologias, fico por assim acomodada, comedida, confusa e inconclusiva, e, quem sabe, na cuíca da contradição.

14.7.08

As minhas orações não mais diárias, tão pouco semanais, têm trazido o descrédito dos anjinhos.

Tenho feito, de tanto correr, os poros do meu corpo chorarem.
Tenho estado ao lado de pessoas que se embriagam daquela cor doce (igual ao lápis de colorir - singular no mundo - que a sobrinha da Janaína tem) enquanto eu espero paciente vê-las sorrir.

Alguém manifesta um carinho inesperado que me desmancha o bico em um sorriso e me desarma. Sim, basta sorrir para estar desarmado, como dizia mais ou menos o Maurício nas aulas de dança-teatro. Deixei logo o pandeiro de lado.

Músicas e expressões.

Começa, então, um blues arquitetado por boêmios da alta classe, artistas circenses e defensores da natureza livremente acorrentados pelo mesmo fim. Nessa hora o queixo cai, não por admiração - não - mas pela lei da gravidade (há quem não queira dar o braço).
E do céu, não o do alto - o da boca - palavras cadentes que imploram oportunidades de fuga.
E eu que tinha tanta coisa pra cantar, fiquei calada.

Pedi aos anjinhos, em reza, que me levassem um papel e uma caneta que tudo ficaria menos difícil.

Oh, eu que queria tanto ter o dom da prosa de um fim de tarde e aquela mesma das três e meia da manhã.

Só me restaram os biscoitos de água e sal e um tantinho de neblina.