verdade viva °°°: dezembro 2010

31.12.10

Conversa entre quatro paredes.
Data: vinte e oito de dezembro de dois mil e dez.

- Valeu à pena cada minuto não dormido.
- Por quê?
- Onze meses.
- Na verdade, faz mais de um ano.
- É, mas nessa mesma época ano passado você ainda estava me enrolando.
- Estava.

(...)

- E parece que faz tanto tempo...
- Só parece pouco tempo para quem não vive.

16.12.10

Tem um grito preso na garganta que me impede de engolir o mundo.
Tem uma lágrima revolta que percorre, fracassada, minha face.
Tem tanta injustiça captada pelos meus ouvidos que se perdem frente aos sussurros de que dias melhores virão.

Abaixo a cabeça frente às circunstâncias por não ter mais o pique de reclamar, de bater de frente, de pisar firme no chão.
Não aguento mais ter que negar; ter que fingir não querer quando o cheiro do que é meu desejo se instala em mim.
Essa vida que percorre alheia à minha me enfurece; minhas palavras não comovem; ele simplesmente não consegue entender.
Dentre as suas escolhas que devem ser as certas eu encontro todos os erros e burrices do mundo.
Entre o não querer e o mal querer me contento com o resto.

Por que ele simplesmente não senta na minha cadeirinha branca de balanço e percebe que sou a escolha certa, diz que me ama e adormece ao meu lado?
Por que ele simplesmente não reconhece que estive aqui por tanto tempo e que foi exatamente isso que fez de mim seu ponto forte e dona do seu maior carinho?

Quando vamos repetir o beijo que afogou meus olhos irritados pelo tempo da espera?
Quando foi que deixei de ser a melhor companhia para se conversar num dia chuvoso e frio?
Quando foi que ele descobriu que não existia mais tesão ao comer sua comida preferida?
Faz tempo que ele descobriu que o excesso de tesão que julga sentir por mim se justifica pela falta de amor?

Eu disse que o tênis da nike, naquela combinação, cairia bem melhor que o all star. E eu disse que era de verdade o charme e a beleza do sorriso.
Mas você poderia ficar sério, tirar os tênis e se desarrumar pra mim, por favor?
Pode me segurar pelo braço e falar no meu ouvido tudo aquilo que dispensa atenção; tudo aquilo que penetra por osmose?

Sim, pode ser sacana e bancar o hostil se me prometer que depois virão piadas idiotas acompanhadas de um pote de sorvete e meias brancas debaixo do edredom.
Pode enfeitar minhas nuvens me contando histórias de heróis e vilões, debaixo de uma árvore cujos galhos eu consiga me pendurar.
Pode escolher os nomes dos cachorros e os discos que vamos ouvir.
Pode me empurrar na areia da praia e me irritar com guerrinhas imbecis.
Pode me deixar sozinha com os meus textos e deixar que eu busque sozinha os meus óculos de grau.

Quando foi que fiz de você minha dose diária (nada homeopática) de vida?

8.12.10

À minha menina...

Todos os dias ao ir trabalhar passo em frente à casa da Karinna*.
E me pergunto "Menina, menina, por onde andas?"

ma petit chouchou


Minha infinita saudade desta batata moderna
que num dia me ensinou a dançar e no outro me ensinou a morder.

* www.causabemdeterminada.blogspot.com

3.12.10

In memoriam...

Perdi a concentração ao ouvir os sussurros que me alcançaram por trás. Segui o ruído lentamente até o quarto e descobri o rádio-relógio branco numa frequência longínqua. Chiava baixinho, choroso, como se estivesse resmungando palavras difíceis de se dizer.
Nunca perguntei aos meus pais quando aquele rádio-relógio viera parar aqui em casa.
E não faz muito descobri que minha mãe pintara-o de esmalte escuro após alguns meses sendo acordada com o som da campainha e uma luz clara que acendia na hora programada.
Marcava 20:20 quando o desliguei, mas já não lembrava mais o que deixara meu olhar fixo na bicicleta colada na minha parede azul. Uma bicicleta que mais parecia saída de um papel de carta. Pena minhas alunas não terem tido aquela infância de colecionar papeis de carta.

Acho que minha concentração estava bem distante. Tentava buscar nas minhas gavetas mentais meu primeiro registro de memória. E definitivamente, não consegui. Fiquei entre o dia de São Cosme e São Damião, onde um senhor segurou minha mão e a fechou com um caramelo dentro; e entre o dia em que lancei minha chupeta pela janela da minha casa e a vi caindo sem chance de salvação boeiro abaixo. Estará no Rio de Janeiro a minha memória mais antiga?

Com toda essa guerra civil, com todo o caos e maldição de uma cidade maravilhosa e cheia de encantos mil, lá estou, na Vila Valqueire, em Jacarepaguá, dando uma volta na bicicleta Caloi cinza do meu irmão pelo quarteirão. Foi a primeira vez que pedalei sozinha e que pedalei mais rápido, porque meu objetivo havia deixado de ser conseguir dar a volta no quarteirão inteiro, mas sim de conseguir voltar ao campo de visão do meu pai. Meu pai não estava na outra rua e não viu quando pedalei em pé, com toda a força de uma criança de 4 anos de idade que já havia descartado as rodinhas.

No Google maps não vi mais as mangueiras do meu tempo, nem a praça perto da minha casa, nem a minha casa.
Será que a minha infância um dia existiu?