verdade viva °°°: abril 2009

26.4.09

Era a 12ª hora do dia quando o Bossa propôs que saíssemos todos mais cedo do trabalho e fôssemos tomar uma cerveja.
A minha preocupação maior aquela hora era ter de andar naquele sol quente por uns vinte minutos até uma parada de ônibus se eu não aceitasse a tal happy hour após o expediente. Beleza, vamo nessa!

O local é popular entre os boêmios da cidade, onde a cultura e a arte trafegam despretensiosas - Beco da Lama. Sempre que me falam de Beco só lembro do Manuel Bandeira¹.
O que mais me impressionou foi a temperatura da cerveja que estava de trincar os dentes.
Era hora do almoço e minha barriga roncava. Eu me encontrava num lugar que tinha nome de bairro e com um aspecto nada atraente onde vários senhores de idade estavam sentados a experimentar a delícia que é o final do expediente na sexta-feira.

- Ô Paulinho, traz uma coca pra mim, por favor! Com gelo e limão!

É, eu não tava a fim de tomar cerveja. Eu queria almoçar!

Em pouco tempo, um banquete: galinha caipira, picado, feijão verde, arroz, feijoada, carne de sol acebolada e macaxeira cozida. Sem falar do queijo coalho do Bossa que é vegetariano.
Eu costumo brincar que ele deve cagar verde e mole todos os dias. Que nem bosta de neném! Ao que ele ri divertido e vem com aquela barba enorme me dar um cheiro.

Eu conheço o Bossa há uns 8, 9 anos. Ele já namorou duas grandes amigas minhas e eu namorei um grande amigo dele.
Ele é o amigo que mais faz jus ao apelido que tem. É o cara mais bossa nova que eu já conheci aqui em Natal.

Além de mim e dele, estávamos com mais 3 figuras lá do trampo. O Rafael, ligado ao espiritismo e que adora se indignar com tudo (se esses policiais amarelinhos que gostam de multar os carros que fazem manobras proibidas olhar pra ele, é o suficiente pra ele se dizer indignado), o Gustavo que estuda comportamento de saguis e sabe fazer uma massagem espetacular (não sei se tem a ver o fato de ser filho de massoterapeuta), e o Seu Quirino "meu querido!" que já trabalha lá no parque há anos e ficou afastado por 7 meses se tratando de uma tuberculose que quase acabou com ele.

Era a 15ª hora do dia quando apareceu le Poète maudit. Com mais de 60 anos, cabelos brancos. Maltrapilho que carrega uma sacola na mão e não tem dentes na boca, sabe? Com um pacote de cigarros amassado no bolso - hollywood red - e uma lata de cerveja na mão. Não o vi soltar um sorriso sequer apesar de ter me elogiado e ter beijado minha mão. Um olhar melancólico que penetrava a vida.
O maldito estava sofrendo de princípio de esquizofrenia. Tinha mania de perseguição e de repente se levantava e saía correndo atrás do vento, gritando com ele. Meia hora depois ele voltava tranquilão como se nada tivesse acontecido. Dormiu na cadeira por mais de 20 minutos e quando acordou percebeu que estava bêbado. Antes de ir embora dialogou filosoficamente com o Bossa. Ouvi falarem sobre poesia, política e figuras ilustres comuns dos dois.

Por ser a única mulher eu até pensei que a conversa da mesa seria inclusiva, menos machista, pra eu não ficar de fora, mas aqueles meninos só tinham línguas para sexo e futebol. Eu parecia mesmo um dos caras. Já podia até ajeitar meus testículos dentro da calça. Quer atitude mais máscula?

Foi na 17ª hora do dia que eu tomei meu primeiro copo de cerveja e tentei bater um papo unissex com eles. Essa coisa de relacionamento é deveras relativo. Conversamos sobre clima, praias, viagens estratosféricas e sobre doenças que acometem o cérebro humano. O papo ficou interessante. Falamos novamente sobre o maldito. Também contei algumas histórias e ouvi outras tantas. Percebi a dificuldade que eu tenho em expressar uma opinião a respeito de distúrbios mentais e resolvi mudar o foco.
Nem lembro pra que lado girei a câmera, mas pelo visto fez com que eles, outra vez, começassem a falar de sexo e futebol. Santa paciência.

Foi quando resolvi repetir a frase que o Bossa tinha dito alguns minutos antes e que me impulsionou a escrever sobre minha irreverente tarde de sexta-feira.
O mundo cava sua cova com as próprias mãos a cada dia que o sol nasce.

Descobri sentidos ocultos que por breves instantes me fizeram querer voltar pra casa. Sair daquela gente, daquela nicotina, daquele hálito de bebida, daquele vento quente de dia ensolarado. Eu queria encontrar minha mãe, ver o apartamento que o meu irmão tá pensando em comprar, assistir um filme na poltrona do papai. Passei a ficar cheia de vontades familiar, só que pensando naquilo tudo eu sabia que eu não tava triste, nem preocupada. Eu só tava ansiosa pra voltar pra casa.

Pagamos a conta ainda com aquele espírito de sexta-feira recém chegada e a alegria de poder dormir até mais tarde no dia seguinte. Eu conhecia aquela dor feliz e comum que nos consumia a todos. As lágrimas que não caíam por aquela felicidade dolorosa do dia que se ia sem querermo-nos que se fosse... Era sexta-feira.




¹: Poema do Beco
Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte? - O que vejo é o beco
(Bandeira, M)

16.4.09

Disritmia, disritmia, disritmia.
O Dr. diagnosticou "sorte! és uma menina com sorte!" quando percebeu que não se tratava de nenhum problema cardíaco, mas sim daquele frenesi intenso que rotineiramente invade o coração dos que passam a querer não só o bem, mas o melhor - pra não dizer, dos que encontram-se apaixonados, enamorados, encantados ou qualquer sentimento que o valha.

A paciente corou - nesse defeito por vezes perfeito que é envergonhar-se frente estranhos. Bochechas ainda em escarlate. Sorriu de canto de boca, encabulada. Movimentos leves de vai-e-vem com os dedos dos pés que desenhavam riscos imaginários no piso branco e brilhoso do consultório.

Uma brisa lhe levou novamente ao momento em que havia deixado sua vida ao acaso bem naquele minuto em que seu coração resolveu palpitar sem compasso e bem naquele minuto onde alguém lhe disse que já podia, enfim, voltar a respirar com calma.

Chegou a descartar a sorte pela ocasião. Afinal, durante toda uma vida acreditou que a sua sorte se valeu de dois palitos de picolés premiados em uma única tarde de infância.

13.4.09

Para falar de sentimentos...

Me via numa roda-gigante onde me servia de picos de adrenalina e mergulhos de liberdade. Como uma ave que nada e vôa. Uma ave que nada. Uma ave que tudo.

Shhh!

Eu deveria ter todos os sentimentos etiquetados e separados individualmente, como quando eu brincava de cientista e colecionava intrigantes insetos para fins científicos e os punha em seus respectivos frasquinhos transparentes. Imagina! Cada sentimento disposto em prateleira e eu poder experimentar cada sensação ímpar e descobrir combinações perfeitas em cada dia colorido ou preto ou branco da minha vida?! Uau!

"Borboletas no estômago" já se tornou um clichê bobo? Quando caíram essas pequenas lepidópteras no senso comum? E quem, por acaso, resolveu comê-las?

Comédia romântica, pipoca e o sorvete preferido. Fui invadida de vontades e completamente satisfeita para um bom fim de tarde que se despia vagarosa e sensual em níveis elevados de serotonina.

E mesmo de olhos fechados eu sentia a ternura naquele leve tilintar de copos d'água.

Os dias ensolarados vão passando um de cada vez. Os dias ensolarados vão passando todos de uma vez só. E eu peço por favor não pare.

É como se eu destinasse ao sol o papel de derreter o que ainda existe de frio em mim.

1.4.09

Poeminha de chofre

não me retorne dificuldades
nem me fixe
tenha pressa, não
faça um café, se demore

não me subjetive
tão pouco, objetivo
no barulho se respira
no silêncio, brincadeira

não me adjetive
não me finalize
não me verbalize
me atravesse reticentemente

não me seque
não me molhe
não me evapore
me umedeça ternamente

não me eduque
tão pouco, castigo
na prisão, liberdade
na fuga, renúncia

no oásis, desertifique
se certifique
eu quero que fique
e quero ficar.