verdade viva °°°: maio 2010

4.5.10

Delicada Marie, de supetão entrou na calça jeans e na blusa de flores verde-limão, apanhou seu guarda-chuva ao mesmo tempo em que entre tropeços e solavancos abotoava a fivela da sandália de tiras. Estava atrasada.

O mundo universitário desencantava-a quando reparava os olhares sutis dos rapazes ao comentarem seus cabelos úmidos e os olhares hostis das moças que cruzavam seu caminho. Pobre Marie, não lidava bem com as circunstâncias. Culpava a superproteção familiar e a falta de compreensão dos irmãos que não sabiam tratá-la como uma mulher.

Em tudo que lia encontrava um pouco de si. Até naqueles panfletos imundos que entregavam em paradas de ônibus ou sinais de trânsito. Sagaz Marie, sempre juntava os panfletos de papel couché para praticar o origami, aquela tradicional arte japonesa vendida em livros e revistas.

"Construye juegos, objetos y animales de papel. Crea figuras y diviertete con el arte del oragami paso a paso siguiente las instrucciones."

A hora do almoço era a mais esperada. Por economia, almoçava no beco, um lugar sujo e pobre, mas com preço apetitoso, cozinheiros sensacionais e sucos geladinhos, geladinhos.
Sensível Marie, às vezes sentia dor até quando sorria. Achou graça ao ouvir a história da guerra de batatas. Os dois guris acabaram com a saca de batatas em dois tempos. Foi tanta batata lançada de cima do prédio que os vizinhos que as viam cair pela janela das suas casas duvidaram do humor sagrado de Deus.
Dando adeus aos canivetes passaram a sair de casa apenas nos dias em que do céu caíam os tais tubérculos.

Mas Marie saía sempre em busca. Buscava encontrar o amor em cada azulejo negro de construções modernas, em cada poça d'água que beijava seus mindinhos pelas bordas da sandália, em cada bolso repleto de embalagens vazias de cigarros e doces. Um dia, ao ler uma revista numa banca de jornal, encontrou numa reportagem as cores que julgou ser o protótipo do amor que precisava. Pagou alguns contos pela revista e a levou embora. Desembrulhou o pacote ao chegar em casa, encontrou a página marcada e arrancou-a, descartando o resto. Abriu o livro de origamis na página 28 e construiu com suas mãos habilidosas um lindo passarinho colorido. Estava criado um novo amor.

E assim carregava nos ombros a alegria da sua vida, às vezes cansava e se deixava cair, mas logo lembrava-se que pendurado na janela estava quem por ela batia fragilmente as asas. Quando olhava para o alto e lembrava da opção de ser só, o cinza dos seus olhos refletia o céu que vestido de nuvens chorava a alegria de acordar mais tarde naquele dia. Simples Marie, admirava seus sonhos enquanto os mensageiros do vento recitavam suas cantigas no último volume.