verdade viva °°°: outubro 2008

16.10.08

Naquele azul que mais parecia faz-de-conta eu escorregava divertida sem saber que me faltaria um aparadouro.

Hoje eu resolvi me dar folga. Quebrei minha rotina como há muito não ousava e até me forcei a escrever algo legível e parar com essa besteira de esperar inspiração.

Hoje eu me dei folga. Resolvi faltar o trabalho e resolvi mentir. Culpar qualquer cólica menstrual para evitar os esforços das longas caminhadas.

Hoje eu me dei folga. Resolvi faltar o segundo trabalho e resolvi mentir. Culpar qualquer seminário sobre ecologia de corais quando nem sequer na aula apareci.

Hoje eu me dei folga. Passei toda a manhã olhando a minha vida passar pela janela do quarto e a vista seria bem agradável se não houvesse um muro atrapalhando minha visão.

Hoje eu me dei folga. Resolvi ir ao cinema no início da tarde e invejar a felicidade dos personagens tão diferentes.

Hoje eu me dei folga. Resolvi ir ao circo no início da noite dar risada com os lançadores de corda.

Hoje eu me dei folga. Resolvi sentar ao lado dos homens da casa e assistir a uma partida de futebol sendo a única a tomar cerveja e orgulhosa por mostrar que não precisava de um copo.

E resolvi dormir tarde.

E resolvi jogar sozinha contra pessoas distantes.

E resolvi desligar o telefone.

A graça disso tudo, pessoalmente, está no fato de ter pesquisado no dicionário a palavra prioridade.

É o que a gente faz todos os dias na nossa vida profissional e afetiva: prioriza. Sendo que muita gente esquece que priorizar algo ou alguém não dá o direito de esquecer o outro lado. E esquecer não dói pro emissor porque afinal ele nem se lembra, mas não queira saber do receptor porque ele está extremamente desapontado.

Desapontado porque quem mais ele queria perto resolveu simplesmente não mais pensar em tê-lo como companhia. Mas ele entendeu que a vida é assim e resolveu se transformar em emissor e também esquecer que foi esquecido.

Escreveu uma mensagem de socorro que chegou na ilha de um náufrago que, ao ver a mensagem, se surpreendeu em perceber que não havia de ser, definitivamente, o único a gozar da absoluta solidão. E o náufrago se agarrou naquelas palavras que mais se fantasiavam de bóias e conseguiu escapar e alcançar o mundo.

Mundo que é cíclico e ensina que tudo que vai um dia volta. Seja nas mesmas circunstâncias que um dia foi ou em experiências, para não dizer novos aprendizados, que espanam a memória e traz nova vida ao antes inanimado.

Na cordinha, onde cada nó representa uma idéia, vou trançando meu futuro e descobrindo o que de fato é importante e realmente me faz falta. O fútil é momentâneo. Não dura mais que uma página. O que eu tô sentindo e que ainda não estou conseguindo explicar é como uma caneta carregada de tinta. Ninguém nunca contou quantas páginas ela é capaz de preencher ininterruptamente.

E é isso, a minha caneta não quer mais ser interrompida nesse momento.




Prioridade, s. f. Qualidade do que está em primeiro lugar ou do que aparece primeiro; primazia.

11.10.08

Um dia de semana comum, a Tia Nessa vai buscar o Teteco na escola.

- Tetecooo!
- Tia Nessaaa!
- Vamos?
- Pra onde?
- Pra casa da vovó Nil?
- Eu posso pensar?
- Pode.

(...)

- Você vai deixar eu usar o pocuntador?
- Eu posso pensar?
- Ai, Tia Nessa. Não pode não.
- Tá bom, eu deixo.

E no caminho...

- Teteco, Tia Nessa tá morrendo de vontade de fazer xixi.
- Hum... (Não se importando a mínima)
- Teteco, é sério. Tia Nessa tá muito, muito apertada.
- Então faz aí.
- Mas, meu amor, como é que vou fazer no meio do trânsito? Tá cheio de carro e eu tou dirigindo.
- Ai, Tia Nessa! (impaciência) Então vai pra onde não tenha carro e tenha grama.

6.10.08

Quando ele me escreveu que haveria de ficar beje se por ventura me visse acompanhada de outrem a minha maior reação foi replicá-lo:

- Bege se escreve com gê.

Eu não havia ainda perdido aquela mania de correções ortográficas. E uma perspicaz tréplica me atingiu com um:

- Ora, vejo que tu és deveras culta pois sabes até como escrever uma palavra que ninguém vê, que ninguém usa.

E a partir daí eu resolvi ceder. Não pelo tom do deboche que eu pouco percebi, mas pela inutilidade que aquela cor de lã, naquele momento, me cabia.