verdade viva °°°: janeiro 2007

30.1.07

Imagine só a seguinte situação:

Você está dormindo, vivendo um sonho profundo e delirante quando de repente, no seu inconsciente, surgem latidos desesperados do cachorro sem nome. Você se vira pra um lado, para o outro e não sabe se está sonhando ou se está acordada.

Sim, você acordou com o seu cão aos berros, passando mal, e rodopiando feito um papel ao furacão. Você de camisola vai desorientada até a janela e vagarosamente tenta decifrar por além das persianas do portão de madeira o porquê de tanto barulho lá fora, e sim: o caminhão. Mais poluidor impossível, contribuindo para o aumento do efeito estufa devido a quantidade incalculável de emissão de carbono naquele momento, cheio de homens musculosos em cima, queimados de sol e com barbas a fazer: os pedreiros.

E se há alguém seco (vulgarmente falando) nesse mundo, você dá três opções: os pedreiros, os policiais ou os motoristas de vans.

Pois bem, você em sua humilde camisola, semi-nua, no mínimo o que iria fazer era manter seu pudor e silêncio e voltar ao recinto de origem meticulosamente, fazendo-os achar que a casa estava entregue às traças e tanajuras, em seguida ligaria para os seus pais e avisaria que o material havia chegado. Aí, os seus pais, que querem te proteger de qualquer infortúnio (obviamente), gritam com você por um minuto: por que você não atende? Aí, você, descontrolada e de mau humor, grita mais ainda (dois minutos) dizendo que não havia sido avisada, que não estava com trajes adequados e que eram mais de cinco homens de rostos mal lavados.

Sim, exatamente nesta hora você demonstra todo o seu preconceito, porque você, uma pobre menina de ares angelicais, não dividiria sozinha o mesmo espaço com mais de cinco homens estranhos e porque você, sobretudo, contra sua própria vontade teve o sono abalado as nove e meia da manhã, ou seja, de madrugada e tinha toda a razão para ficar irritada, além de quê, o corpo desacostumado a ver o sol tão cedo nesta hora do dia reagiria de maneira não tão exemplar.

Depois de ter voltado de fininho lá de fora, fechado novamente a porta, ido ao banheiro fazer pipi, voltado para a cama desconsolada porque o fio da meada do sonho delirante havia se partido, busca tateando no escuro do quarto o celular já que o telefone residencial encontrava-se na sala, e longe de você ter de se levantar novamente para buscá-lo. Liga novamente aos pais, que, diga-se de passagem, já haviam ligado para os vizinhos pedindo ajuda para que fossem socorrer sua filha em sua casa e ajuda-la a abrir a porta (porque ela tinha medo dos pedreiros) e fazer companhia até que os braçais descarregassem todo o material de construção na varanda. Entretanto, o caminhão já havia partido e o descarrego do material havia sido efetivado ao lado de fora da casa, na calçada.

Ao avisar aos pais sobre tal situação (a de que o caminhão havia ido embora e havia descarregado o material e deixado a mercê dos necessitados que passassem à rua) a vizinha chegou. Uma mulher um tanto quanto preocupada com o bem material dos outros, tocou a campainha e chamou o seu nome e dessa vez por ser alguém sempre presente em sua casa, você a atende.


- Oi minha filha, sua mãe me ligou, e o caminhão cadê?
- Acabou de ir embora, na verdade eu demorei pra me dar conta porque a porta do meu quarto estava fech...
- Troque sua roupa, venha me ajudar a carregar esses tijolos pra dentro.
- Mas será que não dava pra deixar...
- Antes que alguém carregue, vamos, rápido minha filha.


E lá vai você, tirar a camisola, vestir um short jeans que até ontem você jurava não passar mais em suas pernas, colocar uma camisetinha vagabunda e ir para debaixo do sol carregar tijolos e telhas. Carregando dois em cada braço e depositando-os dentro da sua casa por cerca de... dez minutos? Um exaustivo trabalho que danifica suas mãos, causa acidentes sangrentos, porque sim, você acabou de cortar seu dedo, e ainda por cima deixa a pele alaranjada. E a preguiça se esvai como a poeira ao vento, e você depois de um banho de sol e suor na moleira acorda para a vida.



Então? Imaginou?

25.1.07

Sentar em frente ao computador e tentar falar de mim.

É isso que tento fazer quase que diariamente, e nunca consigo terminar ou deixar com que alguma força maior que me conheça mais que eu mesma domine meus dedos e faça-os digitar ininterruptamente causos, fatos, estórias e anedotas sobre a vida da personagem que vos fala neste momento menor, ou seja, eu de novo. Momento menor sim, porque afinal de contas não estou cá escrevendo em frente a um computador, mas sim usando o método clássico de papel e caneta, borrões, erros e correções. É algum distúrbio, só pode ser. Qual a diferença em se colocar pensamentos, frustrações, alegrias, seja lá qual for o sentimento da vez para um papel ou para a tela de um computador? Eu sei que aqui no papel eu posso riscar, marcar com minha ira qualquer palavra mal escrita, derramar com uma lágrima aquela emoção transposta naquele pedaço de... de papel. É de papel que eu to falando, de árvores que foram cortadas. Legalmente, será? Não da pra acreditar que tornaram legal o fato de algumas árvores serem postas abaixo para a fabricação do papel. Mas eu não posso me desvirtuar, porque afinal de contas eu vim para escrever sobre mim. E falar para mim sobre eu mesma é penoso por demais, e eu continuo com confusões apáticas, simpáticas e telepáticas para comigo mesma. Voltando ao fato de escrever em papel ou no próprio computador, se eu tivesse na segunda opção também poderia muito bem demonstrar minha ira apagando qualquer palavra inoportuna, ou que não estivesse estrategicamente posicionada naquele conteúdo textual para dar a entonação exata que eu gostaria. Agora descobri o problema, é que no papel o meu rabisco permanece, e no computador se eu apagar, o problema deixará de existir para sempre. Como eu vou me lembrar de alguma expressão que me foi por mim mesma desmerecida cinco minutos atrás se ela não continua mais lá para que haja a lembrança? Ai, como minha cabeça está cansada de não pensar em nada. Depois o trabalho é maior, porque eu sinto uma necessidade exacerbada de contar para todos minha inquietude e tenho que pegar aquele papel, com aqueles garranchos e digitar contrariamente à minha vontade para que eu possa de alguma forma desabafar de e para mim mesma as minhas neuras. Grrr! Como eu odeio amar escrever, sim porque ao final das contas eu grito, choro, lamento minhas frustrações de nunca conseguir passar exatamente aquilo que eu esperava no início, porque sempre que começo a escrever penso em várias outras coisas, a memória se faz presente e eu por mim mesma novamente mais uma vez me perco em meio aos pensamentos mais absurdos para o momento, como por exemplo "o que será que meu irmão ta fazendo no trabalho dele?" ou "o jabuti já almoçou hoje?"... Por que diabos eu comecei a pensar nisso agora? Eu estava falando de papel e computador! Retardos mentais a parte vou chegar ao final sem um fim propriamente dito, já que tudo aqui não tem nexo e eu estou extremamente indignada comigo mesma.

22.1.07

Eu tenho dois filhos e adotei mais um quando viajei para a África. Sem nome de batismo, negro e desnutrido, entregue aos abutres que rondam não só a Adis-Abeba, mas toda aquela região leste do continente.

Foi tão voraz ao primeiro contato com meu seio que a dor que senti foi maior que qualquer dor física, porque cheguei a conclusão que aquele bebê nunca havia ingerido sequer uma gota de leite. Era miúdo, pequerrucho, olhos amarelos contrastantes com sua pele seca e negra. Pesava menos da metade que seus novos irmãos, quando ainda eram donos de três e cinco quilos respectivamente.

Foi uma criança que necessitou do meu alimento, e o meu corpo estava pronto para nutri-lo de todas as formas. Meu corpo, alma e coração. E o prazer que eu sentia ao amamentá-lo foi o prazer que senti ao alimentar os meus outros bebês. Havia uma força nos unindo, como se estivéssemos ligados um ao outro, como se aquela fusão já tivesse sido prevista para acontecer, como se de certa forma o destino estivesse me embalando em uma cadeira de madeira cor de terra e em meus braços meu novo filho, saído do meu ventre. Um filho que já era tão meu que eu conseguia fechar os olhos e sentir a dor do parto, o momento da chegada daquele novo ser, que crescia e ficava mais forte a cada dia.

Eu sofri preconceitos devido a sua raça, devido a sua cor, mas eu sorria para as pessoas ao meu redor porque o vírus da felicidade havia me infectado. E eu já estava infectada antes mesmo de receber o dinheiro da herança do meu avô, com o qual decidi viajar para a Etiópia. E eu trouxe de lá o meu filho perdido, o meu filhinho que estava a minha espera havia alguns dias, enquanto que os familiares rezavam por presentes parisienses. A África sempre me encantou, desde menina, eu sabia que algo especial me esperava por lá.

E, então, o encontrei naquele barranco de barro batido olhando para o céu empoeirado onde aves fúnebres já comemoravam uma suposta e ilusória vitória.

O meu filho, tão e somente meu, que hoje sai a passeio segurando as mãos de seus irmãos e tem brilho nos olhos e um sorriso estampado no rosto.







Depoimento: V. dos Sonhos.

15.1.07

Hoje.

É hoje o dia da minha colação de grau.

(Borboletinhas no estômago)

Sim, eu sou a oradora. Talvez porque eu seja bem dissimulada...

Talvez...

...

Não há verdade nisso.
Tenho um elevador no estômago, e só estou escrevendo isso tudo, porque eu quero que fique registrado. Pra eu contar para os meus netos que fui oradora no verão...

¬¬

Maldita propaganda.