verdade viva °°°: julho 2009

28.7.09

O dia seguinte, sexta-feira, nasceu suave e frio e o alojamento estava coberto por uma névoa densa que tornava as pessoas desconhecidas irreais e robóticas, por hora até indesejáveis.

A essa altura já havia se espalhado a idéia da aventura de deixar Brasília e ir para Goiás. Novas companhias surgiram: a Maria e o Arthur.

A despedida do Planalto Central não poderia ter sido melhor: Uma visita ao Zoológico e uma grande festa de aniversário num bar um tanto sem-gracinha frequentado por universitários agranados e a granel.

Na madrugada de volta pro alojamento, com os novos parceiros de viagem definidos, minha única preocupação era esquentar meu corpo debaixo do maior número possível de cobertores e dormir por tempo indeterminado, mas as sete da manhã o Arthur já puxava os meus pés.

O Arthur, com a sua perspicácia de mochileiro, buscou no couchsurfing algum possível aventureiro que nos acompanhasse na jornada, e é bem aí que o Leandro e a sua picape entram na história. Fomos os quatro: Eu, Arthur, Leandro e a Maria numa viagem matinal rumo à Chapada dos Veadeiros.

Algumas pausas necessárias no caminho para esticar as pernas. Se fosse uma viagem circunstancialmente sem expectativas, seria deveras cansativa. Eu sentia que dentro de cada um de nós, com todas as nossas diferenças e desencaixes existia um vazio prazer por preencher. Eu sentia que de certa forma todos buscávamos as respostas das perguntas sem respostas e o que todos nós queríamos em comum era fugir de uma vida cotidiana que tinha se tornado entediante.

A Vila de São Jorge, com seu barro batido e sua pracinha rústica dominada pelos hippies me fez lembrar da Bia e o meu coração se encheu de esperança com a possibilidade de encontrá-la por ali. Eu não poderia e nem queria imaginar que ela só chegaria por lá uma semana depois da minha partida. Era pra ter sido naquele dia, naquela hora, e bem ali, naquela pracinha.


O 1º passeio: Santuário Salto do Raizama, a uns 4km do povoado de São Jorge. Estacionamos nossas mochilas no topo de um cânion com 60 metros de profundidade e mergulhamos nas águas quase congelantes das piscinas naturais que cursam e desembocam no Rio São Miguel. A essa altura a Lalá, que tinha ido pra chapada com o Dudu e o Simba na noite anterior, já tinha se juntado a nós.

Dentro de mim não havia nada além de maravilha, além da vontade de jogar aquela paisagem no quintal da minha casa pra ser meu refúgio nos dias tempestivos.

Nessa mesma noite de sábado, após armamento de barracas no Camping Dragão e uma deliciosa macarronada preparada pelo Leandro na cozinha comunitária, voltamos ao Raizama pra comemorar o dia mundial do Rock. Um tributo ao Woodstock numa festa chamada Moonstock.
E antes que a gente pudesse entrar no carro, um grande clarão nos fez olhar para cima, para o alto, para aquele novo céu. Toda a imagem da via láctea com suas duzentas bilhões de estrelas preenchia os nossos campos de visão sem nenhum exagero, juro. E eu me senti feliz, me senti alada e num gesto egoísta voei até o alto e engoli um monte daquele brilho estelar porque queria o enfeite e o efeito do céu em minha boca.

Vinho, Led Zeppelin, Jimi Hendrix e alegria foram a companhia da noite.


O 2º passeio: Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. 12 km de trilhas que valeram cada gotinha de suor deixada pelo caminho. Vivemos numa paisagem cinematográfica do Cerrado brasileiro nas antigas rotas que eram usadas pelos garimpeiros. Caminhávamos pisando nos pequeninos cristais de quartzo até as paisagens mais surpreendentes, entre cachoeiras de até 120 metros, corredeiras e paredões de rochas sedimentares. Como dizia a Lalá a cada 500 metros percorridos "É natureza demais, papai!" ou a cada quilômetro "Obrigada, meu Deus!". Certamente a proposta da baixa temperatura das águas é de contribuir para que todas as paisagens sejam congeladas.

Eu já havia desistido de pensar quando uma ou outra pessoa querida surgia do meu passado e eu passava carinhosamente a desejar compartilhar aquela experiência nada, nada metafísica. Tudo o que me invadia era concreto.

Deixar a Chapada foi penoso, prolongamos ao máximo a volta para Brasília, mesmo sendo debaixo daquela proposital via láctea. Com o Leandro no comando e pós-agradecimentos pela oportunidade de tão boa viagem com tão excelente companhia, voltamos ao ponto inicial com a certeza de que a saudade deixou seu rastro para quem foi e para quem voltou. E da gente, certamente, ficou o desejo do regresso que cada um de nós depositou.

22.7.09

Perguntas que me chegam em igual altura esperam as respostas de como meus nove dias de solidão se passaram. A solidão lhes digo, era o que se fazia sólido em meu peito, apesar da novidade das diferentes cores de pele e fibras de cabelos ao meu redor.
Deixemos de breguices.

Viajei de ônibus de Natal ao Planalto Central, buscando Deus sabe o quê. Talvez quisesse adiar o pensamento do que me fazia banal, do que me tornava vulgar, daquele corriqueiro irritante de outrora.

Pessoas relativamente próximas na mesma viagem? Contei três. O Bruno, o Daniel e a Lalá. A última se fez meu assento esquerdo e dorminhoco nas 50 horas de ida. 50 horas em resposta a um atraso muito justo: Trabalhadores em greve fecham rodovia estadual em Joaquim Gomes - Alagoas. Reinvidicam 25% de aumento.


Enquanto o Movimento Sindicalista atua em conjunto com os rapazes bem-humorados do Batalhão de Operações Policiais Especiais, os estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte reunem-se num desses botecos de beira de estrada e tomam cerveja.

O meu almoço foi um cachorro-quente a la salmonelas e um pedaço de cana-de-açúcar roubado de dois meninos (sim, roubei sem piedade o doce das crianças).

Pós 1° obstáculo, não contente com o atraso, ainda me surge um caminhão atolado numa estrada invadida pelo barro, um ar condicionado quebrado e uma derrota no truco.

A chegada na Universidade de Brasília aconteceu durante a madrugada de uma quarta-feira, quando o termômetro marcava 12°C. Alojamo-nos num dos 1.586.365.000 anfiteatros da instituição.

O dia amanheceu azul como era de se esperar. O ar seco e gelado me queimava toda por dentro e minha maior preocupação era recair da pneumonia. Busquei um banho pelos subsolos daquela universidade que de repente transformara-se em meu lar e só encontrei uma bica de águas frias nas trevas de um banheiro masculino que cheirava a ratos. O banheiro da zeladoria tinha água quente e era bem mais acessível que o trevas, mas eu sou burra quando sigo intuições e já havia perdido essa chance naquele momento.

O passeio turístico em companhia da Lalá foi clássico: Ministérios, Catedral Metropolitana, Mercadinho de Flores secas do Cerrado, Museu Nacional, Biblioteca Nacional (sem livros), Teatro Cláudio Santoro, Congresso e Câmara dos Deputados.E enquanto caminhávamos pela arquitetura do Niemeyer eu e a Lalá conversávamos sobre amor, poesia, viagens, sexo e gastronomia até encontrarmos o Prefeito de Cabrobó - PE, que nos cedeu seu táxi até um dos cafés clássicos na 406 Norte.



O lugar é um charme: sebinho.com. E tem um sanduíche italiano e um chocolate quente daqui ó.




De volta ao lar, troca-se a roupa após o banho (este sim, quente pegando fogo). Botas pretas cano alto, blusa de gola alta também preta e maquiagem forte pra aqueles que não me conhecem deduzirem minha má intenção noturna. Mal se lembram que à noite todos os gatos são pardos. Em comboio com os novos colegas fui procurar uma cerveja na cidade onde os bares fecham às 01:30 da madrugada...

A noite seguinte era a mais esperada dentre os eventos culturais do 51° CONUNE. Até então eu não tinha comentado que a viagem tinha um objetivo específico além de ir apenas à cidade linda cantada pelo Renato Russo. Teoricamente eu saí da minha cidade pra participar do Congresso da União Nacional dos Estudantes e viver um pouco do movimento estudantil de perto. Enfim, num aglomerado brasileiro doido de diferentes culturas e raças, me encontrava nos mais de oito mil estudantes de todas as regiões da nossa pátria mãe gentil.

A sambista carioca Leci Brandão e os meninos do Móveis Coloniais de Acaju cuidaram da festa. E foi lá pelo final do show do Móveis que eu e a Lalá conhecemos o Dudu e o Simba. E a partir daí nossos olhinhos brilharam com a possibilidade de uma nova viagem. Passei prazerozamente um pano no já empoeirado sonho de ir pra Chapada dos Veadeiros, em Goiás...



(continua...)


post-scriptum: clique nas fotos para vê-las ampliadas.