verdade viva °°°

9.9.08

Joaquim Nabucodonosor, 94, recordou amargamente o dia em que comeu ensopado de porco pela última vez. Refletindo nostalgia em seu olhar, sentou-se na cadeira maciça de balanço, tossiu por uns dois minutos levando sempre seu lenço encardido à boca, e cuspiu de uma só vez as lembranças de sua bem-aventurada juventude.

Aos dois anos lamentou-se pela primeira vez "ai de mim", como ouvira e espalhara o fato sua madrinha, batizando-o em seguida Joaquim. Segundo o padrinho o menino nem abriu a boca, "ele estava gripado".

Aos doze anos iniciou-se na experimentação sexual com animais, vindo daí o sobrenome e até hoje não enxergando qualquer semelhança devida.

Aos vinte, já casado, continuava sem dinheiro, sem carroça, sem cavalo e sem caráter. Só tinha a Zumira para lhe lavar as ceroulas.

Joaquim aos vinte e seis era um exímio vendedor de aves. Galos, marrecos, patos, papagaios, rolinhas e periquitos. Com oito meses no ramo conseguiu comprar sua primeira geladeira. O fogão já existia devido ao dom do artesanato. Herança do tio Tomé, que desde menino não acreditava no que seus olhos não viam.

Joaquim sabia das coisas. Só não imaginava que um dia um porco haveria de lhe perturbar o sono.

Zumira, ao completar trinta anos ganhou um porco chamado Focinho num bingo que todo domingo acontecia após a novena na praça de barro batido.

Focinho arranjou um novo lar com o casal e Joaquim engordou tanto o coitado do animal que ele passou a ser chamado de Focinho Roliço. Quem não entendia de animal bem nutrido não sabia se Roliço era o focinho ou se o Focinho é que era roliço.

A moda da época havia se tornado a tal da televisão em cores e Joaquim resolveu ser o primeiro daquela comunidade rural. Trocou seu negócio de aves por uma pequenina TV, para desespero de Zumira que tinha um relacionamento sólido e confidente com Marisco, o papagaio vermelho.

Joaquim, então, cheio de idéias, passou a cobrar entrada em sua sala de estar 6x8 para a vizinhança invejosa assistir às novelas de aventura da época. Essa prática tornou-se o sustento. Um belo dia eis que deu-se a desgraça. (né, chu?)*

Joaquim resolveu se ausentar de casa por doze horas e vinte e dois segundos, deixando a televisão em cima da cômoda à segurança do super cão de guarda Focinho Roliço.
Focinho, na lamúria por ter sido substituído por àquela aberração ilusótica passou duas horas dando bundadinhas na cômoda até, BLAM, derrubá-la. Com seu focinho, não o nome mas o aspirador, cavou, cavou, cavou a areia batida da sala de estar e enterrou a televisão do Joinc, o apelido amoroso que pusera em seu dono. Silêncio.

Joaquim ao regressar deu por falta assim que abriu a porta. Só via um remexido de terra e o gordo Focinho de ventre pro ar. Se Joaquim ainda tivesse as aves, talvez encontrasse-as de papo e não de ventre.

Joaquim ficou puto que só a moléstia, pegou a peixeira e danou-se no meio do mundo atrás do gatuno. Nem cheiro. Nem sombra. Nem voz. Nem.

Passaram-se seis meses para Joaquim notar um cabo emborrachado preto no cantinho da parede de taipa. Pegou o ciscador e começou a desenterrar, não!, o que é isso? Foi ficando cada vez mais rubro conforme via o que não queria ver para não acreditar: uma televisão marrom sem nenhuma mais funcionalidade, nem mesmo decorativa.
Como uma visão projetada do inferno estava Focinho, eriçado e em gargalhadas naquele picadeiro.

Joaquim sentiu tanta raiva que mandou Zumira cozinhar o rabicó, mas até hoje Joaquim confessa sentir o espírito do porco em sua mente toda vez que se deita para dormir.


*Nota: interferência do autor.

5 Comments:

At 10.9.08, Anonymous Anônimo said...

Putz...esse vai precisar de uma análise mais rebuscada...

Prova de que o texto é rico e denso.

Prova também de que eu tô com preguiça.

Eu tô na IBM. dexa eu chegar em casa.

:*

Eu nem vou dizer que te adoro, que num tem nem mais graça.

:********

 
At 10.9.08, Anonymous Anônimo said...

putz, deve ser toc mesmo...

 
At 11.9.08, Anonymous Anônimo said...

mistura de humor ingênuo e sarcasmo sacana que eu adorei!
- - -
eu não como carne de porco. nunca havia pensado no fato, mas agora creio ser medo do espirito deles.
- - -
foi a "nota do autor" mais bacana de todos os tempos de leitura que existe!
- - -
e foi mesmo!!

 
At 17.9.08, Blogger Yuri Andrews said...

Nabucodonosor é o nome da nave dos cara em "Matrix".







Afora isso, amo-te.

 
At 19.9.08, Anonymous Anônimo said...

Parece o regionalismo de Joaum Ubaldo Ribeiro em alguns momentos (os que eu mais gosto) Mas tem uns toques surreais, tipo o sobrenome. Mas o absurdo casa perfeitamente com o humor, e acaba que a incoerencia nao é incoerente. Ao contrário dessa minha última frase.

Tinha um sujeito em ponta negra conhecido como Zé da porca. A história dele ficou bem famosa por lá. Eu nao vou estragar as risadas de quem leu teu texto com uma história de revirar o estomago, mas tbm envolve uma porca com certa intimidade familiar...

Vamos dizer q era um cara sem carroca, sem cavalo, sem caráter e sem zumira.

 

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