verdade viva °°°

2.8.06

Quaisquer semelhanças com a vida real não são meras coincidências.

Já devia estar na faixa dos quarenta beirando os cinquenta, apesar da certeza de que estava desfrutando da mais pura jovialidade. Esquecera das milhas de quilômetros rodados.

Tinha um corpo redondo e estranho, seios murchos e pêlos nas pernas. A sandália preta (já cinza de tanto gasto) de salto alto já havia lhe deixado problemas circulatórios, visto que apertava-lhe a joanete e os dedinhos encardidos, lar de unhas consideravelmente mal feitas. Não se observava higiene.

Tinha cabelos negros e pegajosos de creme (encomendados à Creuza Bartira, dona de um simples salão na Av. Bernardo Vieira). Sempre dispostos em forma de coque.

Em sua testa despelavam grotescas capas epteliais que se misturavam às caspas transbordantes do couro cabeludo.
Sua falecida mãe já havia dito um dia:

- É seborréia. Ê menina pra num gostar de se ajeitar!

Mas Lucinha era assim. Não adiantava empurrar pro banho que não tinha jeito. Dava até dó de ouvir tanto chororô.

Agora lá estava ela - Dona Lúcia, ou melhor, Dona secretária Lúcia. Era como gostava de ser chamada.
Detinha uma expressão rude, ar ofegante, narinas de dragão que mais pareciam expelir fogo.

Gostava de gastar seu medíocre tempo sendo secretária de não-sei-o-quê na diretoria daquele hospital público.

Atendia a algumas ligações e sentia-se feliz por ser útil. Apesar de sempre reclamar ao ouvir o "triiiiim" do aparelho.

A monotonia do departamento em que estava inserida levara-a ao mau hábito de passar horas e horas jogando freecell em um computador com informações do mundo todo, mas ela não sabia se aventurar pela internet.

Eu sentia mais pena da Dona secretária Lúcia do que da doce Macabéa. Ambas nada e ninguém, recolhidas a uma vida de pouca, quase nenhuma significância.

Dona secretária Lúcia quando estava desacompanhada de mim mantinha estrategicamente um radinho portátil ao alcance das suas mãos e o silêncio do recinto era quebrado. Ora pelos cantores ora pela sua própria voz estridente, aguda e totalmente desagradável.
Até a arara do vizinho da Rebeca soava melhor.

Mas àquela Lucinha sentia-se livre quando se punha a cantar. Mas, afinal, o que a aprisionava?
Levava uma vida pacata, sem muitas emoções e era feliz em si, porque não conhecia muitas coisas além do que havia no seu mundo fútil de jogadora de cartas.

1 Comments:

At 4.8.06, Blogger Filha da Terra said...

kkkkkkkkkkkkk!
Amiga, seus textos andam com um humor negro apaixonante!!
Imaginei essa figura agora e chega me deu medo...
Será que um dia consigo escrever bem assim como você?
AMO D++++++!

 

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